terça-feira, 7 de abril de 2009

lisboa (1)

Não gosto de Lisboa. Não gosto, pura e simplesmente, da energia excessiva que derramam as ruas e os edifícios, feios, desenquadrados, grotescos. Lisboa sofre do mesmo mal que todas as cidades grandes que não são (ou não sabem ser) grandes cidades: as pessoas mal se olham, têm medo de se olhar. A maior parte delas acorda de manha, dá uma vista de olhos à agenda e segue o resto do dia segundo esse plano pré-elaborado, acompanhadas pelo melhor amigo do habitante de uma cidade grande: o automóvel. Na rua, as pessoas cruzam-se mas não se tocam; na estrada, cruzam-se amiúde milhares de vidas a cada instante, tocando-se os carros em acidentes que já são, no fundo, parte do dia-a-dia, subentendidos entre as linhas das agendas dessas pessoas apressadas, atarefadas.
A pressa – as cidades grandes não dormem. O tempo não pára. Ninguém abranda, nem que esteja em causa a vida de alguém. As pessoas têm a sua vida tão programada, e o que daí resulta é, curiosamente, a maior desordem, um caos suado e pegajoso.
As cidades grandes parecem pequenas para quem vive nelas e para quem as vê de fora e isto não se deve só às primeiras já as julgarem conhecer como à palma das suas mãos ou a estas estarem a abarrotar de pessoas, automóveis e edifícios. Deve-se, principalmente, ao facto de, por serem tão grandes e tão cheias, se resumirem, para todas essas pessoas, a meia dúzia de percursos, diários ou turísticos, e monumentos que se destacam no meio da confusão.
Hoje trouxeram-me a Lisboa, a cidade grande que não sabe ser grande cidade do nosso país. Ao andar por Lisboa a pé pude misturar-me na energia da cidade, ser empurrada e comprimida, (quase) tropeçar em passeios estragados e sem-abrigos e perder-me na desordem, deixando de ver o que quer que fosse à minha volta. Contudo, também pude ver as coisas pequenas desta cidade grande. Num jardim onde ainda se juntam todas as classes etárias, os pais a acompanhar os filhos no parque infantil, as velhas a dar migalhas às pombas, as adolescentes histéricas encavalitadas num só banco à volta de uma daquelas revistas de adolescentes-parvas-e-inconscientes, o putos a jogar futebol, improvisando balizas entre caixotes do lixo e troncos de árvores cortados rente, um grupo à volta de uma guitarra aqui, duas ou três pessoas a dormir num banco ali, os reformados de Lisboa concentrados num jogo de cartas que já dura há horas, reconheci um local onde as pessoas ainda se reúnem, olham umas para as outras, olham à sua volta e se reconhecem.

1 comentário:

A Coração disse...

O mal é que isso não acontece só em Lisboa. Caminhamos pela rua e apenas vemos, não observamos, não sabemos. As pessoas são corpos apagados que passam umas pelas outras e não se reconhecem.