sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

anna karenina

"Quis atirar-se para debaixo do vagão que nesse momento chegava junto dela, mas a maleta vermelha, de que procurava desprender-se, distraiu-a e não lhe deu tempo: o centro do vagão já tinha passado. Era preciso esperar o imediato. Uma sensação parecida com a que costumava experimentar ao entrar na água à hora do banho apoderou-se dela, e persignou-se. Esse gesto familiar despertou-lhe na alma recordações da infância e da juventude. E, subitamente, desvaneceu-se a névoa que tudo cobria, e a vida exibiu-se-lhe por momentos em todas as suas radiosas alegrias passadas. Não apartava, porém, os olhos do vagão que se aproximava. No momento preciso em que o centro desse vagão lhe passava diante atirou fora a maleta vermelha e afundando a cabeça entre os ombros atirou-se-lhe para debaixo, caindo com o corpo em cima das mãos. Depois, com um ligeiro movimento, como se quisesse ainda levantar-se, quedou ajoelhada. Nesse instante sentiu horror do que fazia.
«Onde estou eu? Que faço eu? Para quê?», quis retroceder, atirar-se para trás, mas entretanto qualquer coisa enorme, inflexível, a apanhou pela
cabeça, arrastando-a de costas. «Senhor, meu Deus, perdoa-me tudo!», pronunciou, sentindo que lhe era impossível lutar. Um homenzinho resmoneava, martelando uns ferros por cima dela. E a vela à luz da qual Ana lera o livro da Vida, com todos os seus tormentos, todas as suas traições e todas as suas dores, resplandeceu, de súbito, com uma claridade maior do que nunca, alumiando as páginas que até então haviam estado na sombra. Depois crepitou, estremeceu e apagou-se para sempre."

Leo Tolstoy

1 comentário:

Anónimo disse...

Lindo esse trecho. Eu o achei impressionante.