sexta-feira, 18 de setembro de 2009

escrita automática com o corpo pensante

Ganhar à vontade não é fácil. Há sempre constrangimento porque é o nosso corpo a dar o tudo-por-tudo no momento. Um “tudo” que se forma na nossa cabeça e que tem que se transfigurar em “tudo” no nosso corpo. Da ideia ao movimento, um caminho a percorrer em menos de um instante; tentar concretizar o movimento simultaneamente com a ideia, ou até antes dela. O nosso corpo é um todo, é a máquina de escrever e as suas teclas, os dedos do escritor e a folha em braço que se vai cobrindo de ideias e de movimentos, uma e a mesma coisa. Neste papel que é o nosso corpo, o movimento chega, por vezes, a acontecer antes da ideia se formar na nossa cabeça; as palavras surgem antes de serem escritas.
As ideias e os movimentos andam rasteiros ao chão. Talvez seja por isso que colada ao solo me sinto mais segura e embora saiba que o chão é uma fuga, sinto que é uma fuga que aconchega. Levantar-me custa, de pé é mais difícil brincar com o corpo porque parece que os olhos dos outros estão mais perto, mais atentos, mais ferozes. Só depois percebo que não me vêem, assim como eu não os vejo, não os observo a eles.
Os corpos surgem como universos alienados uns dos outros. A pouco e pouco, lá se perde o medo que estar a ser observada enquanto uso o meu corpo para escrever histórias que ainda nem sei como acabam, ou mesmo como começam. À nossa vota só o nosso corpo-todo-universo, e o roçagar do universo do corpo dos outros, longínquos nas sensações, só um pouco de som e calor aqui e ali, povoando o vazio à nossa volta.
Quando há entrega, quando nos entregamos a nós próprios, há espaço para a loucura. Um universo em liberdade que borbulha e fervilha, mais ou menos dançando no e o nosso corpo. O nosso corpo é a dança em si. Corpos livres que dançam. Corpos livres são corpos loucos.
Des corps libres sont des corps fous.
La folie = La liberté des corps

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