quarta-feira, 1 de abril de 2009

dia das mentiras?

Partilhámos essencialmente momentos. Mesmo contados pelo tique-taque de um relógio analógico ou de sol, pelo horário de um comboio do qual eu nunca gostei porque te vinha tirar sempre de mim ou por um horário estúpido que impunha a mim própria, julguei ver, desde sempre, esgares de eternidade em cada um dos nossos abraços, beijinhos, brincadeiras, mensagens, cartas, telefonemas, prendas. E construí, com cada um dos teus sorrisos lavados em promessas, uma amizade que jurei para sempre.
Contam-se pelos dedos as vezes que estive contigo, e ainda assim. Ainda assim nunca admirei tanto ninguém, nunca confiei tanto numa pessoa de quem nem tinha provas que fosse real. Ainda assim nunca me esforcei tanto para ajudar alguém que descartava dos meus conselhos com a mesma facilidade que eu descartava dos teus, para me arrepender no momento seguinte, para te deixar ficar a tratar-me das feridas que eu própria me provocava. Ainda assim depositei em ti tudo o que sou, ou era. Vens-me agora criticar os meus sonhos e a minha vida. Não tiveste tempo suficiente antes para o fazer? Se sempre te incomodou, porque só mos atiras agora à cara? Foi preciso um ano - um ano, tinha marcado num telemóvel que já nem uso a primeira vez que tinha estado contigo - para vir a descobrir que afinal um bocadinho de nós não passava de uma farsa. Apesar disso, tinha o maior orgulho e carinho por ti. Passei a ser tão igual a ti em algumas coisas que tive medo que achasses que te estava imitar; noutras, éramos avessos equilibrados, reflexos de personalidade que se fizessemos coincidir se completariam. Talvez por isso te tenha prometido tanto e tenha acreditado tanto nas tuas promessas. Porque, afinal, eras a minha pessoa. Como pude falhar-te tanto? Ou melhor: falhei, realmente, em alguma coisa? De todas as vezes que o mundo te desabou em cima e que correste para mim, não abri suficientemente os braços para te receber? Ambas sabemos que sim. Ambas sabemos que, um dia, fomos o melhor abrigo uma da outra.
E de repente. De repente dou por mim com medo de te falar, de te olhar nos olhos. De repente escapas-me por entre os dedos, pequenina, saltitante, subitamente tão mais distante que o costume. Tenho medo de te perguntar como vai ser agora, porque te conheço tão bem que sei que ou foges de mim ou forças até se tornar insuportável. O medo de te perder esteve sempre comigo desde que te conheci, porque sempre vi o modo como punhas de lado as pessoas que perdias. Sim, também tu puseste de lado muitas bonecas. Mas, com o tempo, talvez por te ter conhecido melhor, passei a admirar-te por ultrapassares com tanta coragem os teus problemas e a ver-te como alguém que praticamente vivia num comboio, com um bilhete com número de viagens ilimitadas... Vê se entendes: assim, como eu te imaginava, podias passar o resto da vida pelo mundo com a tua máquina fotográfica e o teu sorriso a coleccionar memórias e pessoas, em idas e vindas intermináveis. Pintei-te como alguém que, acima de tudo, voltava sempre.
Quero que saibas que, de tudo o que herdei de ti, a capacidade de esquecer não me foi concedida. Ainda tenho as bonecas com que brincava quando era pequena numa caixa na porta de cima do meu armário, não estão simplesmente atiradas a um canto. E lembra-te que, um dia, disseste que eu era parte de ti, do teu sorriso. Essa parte de mim nunca te vai deixar. Sempre que sorrires, vou ser esse cantinho cintilante mais levantado da tua boca, esse mesmo pormenor que me fez aproximar de ti.

1 comentário:

Patricia Sofia disse...

é perfeito.
dizes aqui tudo o que um dia eu desisti de fazer, porque as palavras nnca foram as suficientemente certas para a boneca em causa. Tu dizes tudo.
As nossas bonecas que teimam em permacener, que as nossas cabeças, os nossos corações teimam que permaneçam, só porque um dia foram tudo de nós. Mas um dia ganharam uma vida tao propria que deixaram de nos pertencer, pelo menos como antes. porque sempre nos pertenceram, quer queiramos, quer nao. Nunca vamos puder apagar esse passado recente onde elas existiram e foram tudo.
Nunca deixaram de ser o que foram, mesmo que tentem.
Continuaremos a ama-las, a sentir o mesmo quanto mais nao seja a nostalgia invadir-nos-á.
Fica comigo, boneca bailarinha, fica para sempre<3