quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

show-time

Fins de Junho de 1996. Em toda a inocência de criança com pouco mais de três anos, não sabia onde me estava a meter. Toda aquela confusão com os preparativos me fascinava: o coser das fitas e dos elásticos, as redes e os ganchos dolorosamente cravados nos meus cabelos ainda lisos, o cheiro a gel, laca e brilhantes dourados, as lamentações das mais velhas, os gritos nervosos da Professora, o corre-corre do palco para os camarins…
O tema daquele primeiro ano foi “Os Descobrimentos”. Pouco me lembro do espectáculo, da música ou mesmo de mim em palco; a imagem que mentalmente construo deve-se apenas a um conjunto de fotografias antigas: num fato justo cor-de-rosa e uma saia de tutu empinado, lá estava eu, uma enternecedora estrela-do-mar. E, debaixo de toda aquela brilhantina, os meus olhos cintilavam, cintilavam, cintilavam…
Show-time. Voltinhas, pliés, saltinhos, rodinhas e filinhas. Da plateia ouviam-se uns “ah”, “oh” e “que coisinhas pequeninas” que me deixavam ainda mais feliz. Não fiz muito mais que umas tantas voltas e abanar de braços, mas sei que saí daquele palco com uma nova fúria de viver. A dança? Sim.
Já passaram quase trezes anos. As fitas e os elásticos passaram a ser cosidos nas sapatilhas várias vezes por ano, o meu cabelo encaracolou e tornou-se ainda mais difícil de prender na rede. Agora também faço parte das mais velhas, “as pretas”, que se lamentam, e grito juntamente com a Professora. Os passos básicos foram substituídos por movimento cada vez mais arrojados: saltos, piruettes e, de quando em quando, um pé em sangue. O preto dos fatos suplantou o ingénuo cor-de-rosa e até a sala não é mais a mesma – o estúdio de tecto inclinado, canos à mostra e barras partidas foi substituído por essa nova segunda casa com o dobro do tamanho, coberta de espelhos de um lado e janelas do outro, onde pontualmente se destacam do chão uma ou outra tábua de madeira menos bem colocada.
Porém, apesar de todas as alterações, quando subo para o palco, depois de bater com o pés na resina e de sentir o cheiro do gel, das cortinas, do nervoso miudinho, volto a sentir tudo de novo, como no tempo em que tudo acontecia pela primeira vez. Volto a ser estrela; não do mar, talvez, mas estrela-do-céu, ou da vida, se preferirem.
Show-time. Abrem as cortinas. Os meus olhos, os mesmos de há doze anos, não vacilam: cintilam, cintilam, cintilam…
Maio de 2008